Rui André Batista

Coisas

Vasco Pinto de Magalhães. Família base de tudo desde que seja a tradicional, o resto é tudo libertinagem, precisamos é todos de amor (tradicional, calma). Fácil. Ah, já me ia passando: ideologia de género horrorosa e sacou do padre António Vieira para lhe dar uma varada.

Ainda não desisti. Nada como vergonha alheia para motivar um procrastinador nato. No entanto há motivos válidos: este capítulo, o sexto, é o tal badalado texto do economista João das Neves. Começa, surpreendentemente, por não justificar a publicação do volume em causa como forma de proteger família, já que ela sobreviveu a toda a lascívia e devassidão ao longo da história. Então porque é? É porque agora a vida fora do lar é muito engraçada e já ninguém quer saber da família nem tratar da casa.

O já conhecido argumento que nega a opressão feminina – elas são a maioria e nunca se queixaram até agora! – é, claramente, o ponto “alto” do capítulo. Ainda assim há, na argumentação deste autor, uma variação relevante em relação ao argumento comum aos restantes autores: a ameaça à família está nos filhos nascidos fora do casamento (apresenta estatísticas) e não nos esforços das ideologias de género, afirma ele para concluir.

O IV capítulo é autoria do saudoso Manuel Monteiro. É curioso: a costumeira gritaria sobre o quão o estado não deve interferir na educação das criancinhas, ensinando valores que vão de encontro (sim de encontro) as convicções dos papás, mesmo que sejam terra-planistas. Isto ao mesmo tempo que propõe o mesmo estado pagar um salário ao pai ou mãe que fique em casa a educar dos filhos, que isto subsídios só é mau para os malandros. Pronto, o senhor fala em dependentes incapazes de cuidar de si próprios ou meninos em idade pré-escolar, para evitar que as criancinhas vão para o jardim infantil aprender morais duvidosas.

Pelos vistos existe um tal princípio da subsidiariedade que faz com que o estado esteja em dívida com as famílias. Pergunto se os ciganos também contam ou isso já foi no tempo do Paulo Portas…

Claro que também citou o papa, no caso o João Paulo II. Várias vezes.

Deixo umas linhas finais apenas sobre o capítulo V: um senhor chamado José Carlos Pereira que quer falar de identidade, autenticidade e família. Numa linguagem nebulosa e datada, rosna contra os prazeres da vida, temperando com referências profusas a autores vários, no que posso somente descre rever por enchimento bibliográfico de chouriços.

Este podia ter sido o melhor capítulo até agora, por tentar reflectir à pergunta “Quem sou Eu”. Podia ter sido porque mais de metade do mesmo aborda, de forma perfeitamente razoável, as condicionantes que levam à resposta a essa pergunta, e os caminhos e lutarias que levam alguém a se ser, incluindo o papel fundamental da família. De repente, a autora – Pureza de Melo – teve um achaque e espetou um chorrilho de banalidades sobre identidade de género e, wokismo e a cultura do cancelamento que, ao que parece, ridiculariza as opiniões dela e de pessoas como ela que vivem no mundo encantado dos brinquedos, princesas, dragões, onde só há oprimidos e opressores em questões de discriminação racial no sul dos estados Unidos dos anos 60 e temos que ser todos amigos, coisas LGBTQI+ e pronomes neutros vão acabar com a espécie e mais umas nuances escabrosas sobre pessoas que mudam de orientação sexual todos os dias.

Este capítulo intitula-se “Dignidade humana”, escrito por João Duarte Blek (não me assiste ir pesquisar o CV do dito, o texto é pobre que chegue). Basicamente o casamento cristão é fundamento da família, vivemos em Sodoma desde o pecado original e vamos todos morrer, se não fizermos não sei o quê digno que me custou a perceber, e somos todos filhos de Deus..

Além das citações teológicas fartas e dolatinório decorativo, é um texto confusofiquei a saber que a pessoa humana é capaz de conhecer a verdade e o bem.

Neste primeiro capítulo, o relativamente conhecido psiquiatra Pedro Afonso disserta sobre o papel da família na educação e intervenção do estado. A tese, que me quer parecer não ser muito diferente do que virá noutros capítulos, funciona mais ou menos assim: o estado não tem que interferir na educação das crianças e esse é o papel da família, desde que seja uma família “tradicional” que transmita valores da moral cristã e dos bons costumes. É um argumento que em teoria começa bem: a família serve de suporte fundamentar para educar os pequenitos e o estado não é para aqui chamado porque cada um educa como quer. Excepto se… bem, antigamente o estado educava à bruta – é ler a cartilha – e impunha a moral e a religião cristãs, eventualmente bons costumes, e isso nunca foi um problema… Aliás, para pessoas como os autores deste livro, tal nunca pareceu tão grave como a actual doutrinação das tais ideologias de género com que o Pedro Afonso também nos brinda, para fim de capítulo; mais uma vez o drama, o horror, e o juízo final nas aulas de cidadania. O estado faz tanta coisa e diz tanta coisa aos meninos, mas isto é que de facto é o fi da humanidade em ideologia, e a família de idiotas heróis de trazer por casa cujos meninos chumbaram a cidadania até foi citada, a par do papa e do DSM. O “killer-argument” deste senhor contra a tal ideologia de género é que não tem base científica. Ele lá saberá disso, todavia encanita-me que a tese dele (ou antítese? Não sei) comece se fundamentar no papa Francisco.

Este capítulo tem algumas pérolas interessantes, ainda assim. A apologia da não vivência dos prazeres da vida consumista, porque tem que ser “o mínimo”, a refeição do jantar em família como essencial à existência do homem e da mulher – que somos muito inclusivos quando queremos – e as pragas dos ecrãs e influencers como encarnação do mal, são argumentos bem catitas para juntar aos clássicos burnout e trabalho a mais para justificar o não funcionar das famílias, por um psiquiatra que cita o DSM para enfiar disforia de género e neurodivergência no mesmo saco, não é para todos.

P.S. O capítulo tem por título “A família como escola de amor e transmissão de valores”. Não é doce?

De tempos a tempos, preciso, por razões quase vitais, de me centrar em leituras desconfortáveis. Não de comentários abjectos na Internet, de opiniões divergentes de conhecidos ou desconhecidos, mas sim de artigos, textos e livros fundamentados e supostamente credíveis, que foquem temas que me são caros contudo abordados de perspectivas opostas à minha.

Todo este preâmbulo para dizer que comprei o balado livro Identidade e família e, por enquanto, ali a introdução. Se a premissa de que a família é a base fundamental da sociedade me parece consensual, todo o resto roça o alucinado digno de redes sociais, o que não esperava: A vitimização clássica dos autores calados pela censura do politicamente correcto (eles chamam-lhe “lutar pelo bem”), que não são ouvidos nem achados, mais ridícula vinda de intelectuais e gente com perfil público e claramente privilegiados; e a absurda concentração e abominação na tal ideologia de género e doutrinação escolar da mesma, que parece o fetiche preferido da direita radical e até da fofinha e que só eles sabem mesmo o que é e em que consiste realmente.

Veremos os próximos capítulos, mas isto começa… “bem”.

P.S. Já agora, o que estou aqui a fazer não é censurar nem ser politicamente correcto: é usar da mesma liberdade que estes senhores têm em publicar o que pensam para ter uma opinião diferente. É capaz de parecer estranho mas, pode-se fazer.

Hoje é 25 de novembro. Um qualquer dia 25 sem que nenhuma madrugada fosse esperada, num ano qualquer. Não terá sido nem dia inteiro nem limpo, nem ninguém de interesse saiu todo lampeiro da noite e do silêncio. No dia 26 de novembro, depois desse 25, nada tinha mudado: mesmo regime, mesmos partidos, mesmas pessoas, mesmos atentados que bem continuaram pelos meses e anos após.

Este 25 de Novembro foi a invenção recente e pobrezinha dos que não querem nem podem comemorar o 25 de Abril: eram certamente mais felizes num qualquer dia 24 ou 23, foram num 28 de maio e querem voltar a sê-lo num dia vinte e tal.

Julguei, erradamente, que nunca mais me apanhavam nas manhas e tramas disso dos sentimentos, das saudades e dos projectos futuros. Ao menos, por uma vez, e confortável, necessário e realista. Ah, e viável.

As montanhas ruças que se avizinham nem me atormenta, nunca atormentaram. Temo a logística e não mais a tática. Estou a ficar um general manhoso.

Pasmo ao lidar com esta felicidade crescida. Quente. Normal, subtil, sublime, suportada em realidade e racionalidade de adultos pequeninos. As marcas de guerra, algumas desnecessárias, ajudam a focar na calma, na sobriedade indispensável a criar coisas bonitas, e suportar eventuais falhanços e desastres., pois tudo é pensado e medido com a régua da dor que foi. Não tenho tempo para mais do que estar feliz, hoje.

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