Pontapés na bola e Diferenças Irreconciliáveis

As lendas que me contaram na infância envolviam, não raramente, magos do pontapé na bola. Fossem Os golos do Eusébio, a segurança do Mário coluna, o Pelé a jogar contra o Benfica ou a folha seca do Didi, a forma como o avô ou o tio sorriam ao descrever as façanhas dos seus heróis transpirava magia, veneração e esperança que esse tempo voltasse. O tempo em que também eles, em jogos de vida ou de morte num qualquer pátio de alfama, eram reis dum mundo de pés descalços e bolas de trapos. Mas reis.

Reviviam, invariavelmente e já meio entornados, os jogos de bola da sua vida: aquela final de taça de 1963 que acham que viram os dois no estádio nacional, o cinco a três do campeonato de sessenta e seis, os frangos do Costa Pereira que sabia cantar, e tanto mais. Porém, bastava uma divergência mínima para a coisa descambar e entrar em níveis absurdos de discussão familiar, coisa para se deixarem de falar durante semanas. A embirração de quantos golos marcou o Eusébio na final de 1963, se eram 3 ou 2, se foram na primeira ou na segunda parte. Ficavam vermelhos de fúria, iam buscar tantas outras finais, jogadores, treinadores, e até o coitado do Francisco Ferreira que parece que sabia nadar. Quando a coisa se tornava insustentável alguém lá lhes ía dizer que em 1963 o Benfica nem se quer jogou a final e estavam a confundir com a de 1962, em que ganhou 3-0 ao Vitória de Setubal.